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Lennon e Ono encaram a queda de um sonho em documentário potente 654qj
Por SÉRGIO ALPENDRE / Folhapress
12 de junho de 2025, às 16h12
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(FOLHAPRESS) – Em setembro de 1971, John Lennon e Yoko Ono mudaram-se para Nova York. Independentemente de significar uma busca por novos ares,, ou um retorno de Ono à cidade em que se formou como artista, era uma maneira de tomar contato com a efervescência social e política do outro lado do Atlântico, com um oceano a separá-los dos fantasmas dos Beatles.
O documentário “One to One: John & Yoko”, de Kevin MacDonald e Sam Rice-Edwards, procura juntar um grande manancial de imagens de arquivo para dar conta de como o casal logo se inteirou das lutas políticas do novo mundo na época, o que incluiu cerrar fileiras com os Panteras Negras, com ativistas e militantes, e lutar contra o presidente dos EUA Richard Nixon e a continuidade abjeta da Guerra do Vietnã. A produção integra a programação do In-Edit Brasil, festival de documentários musicais em cartaz em São Paulo.
O que vemos durante boa parte do filme é o que os músicos viam pela TV naqueles tempos: as forças da ordem procurando calar os jovens, reclames comerciais de diversos produtos, programas de entrevistas e seriados da época, numa alternância atordoante, que imita o girar do seletor de canais dos televisores antigos.
Vemos ainda trechos de shows que fizeram na época, incluindo o One to One Concert que dá nome ao filme, entrevistas que deram a programas de TV, encontros com lideranças políticas e militantes, entre outras manifestações culturais daquele cenário perturbador.
Yoko Ono devia estar acostumada ao bombardeio de produtos à venda, mas para um inglês como Lennon o consumismo norte-americano parecia algo assustador em meio aos inúmeros miseráveis do mundo.
Parecia uma guerra perdida, a guerra contra o fascismo e o dinheiro numa época em que as utopias dos anos 1960 pareciam sucumbir. Mas John e Yoko acreditavam ter algum poder de mudar o mundo. E se houvesse alguém com esse poder, certamente eram eles. E foi lá que John e Yoko continuaram a revolução de costumes que haviam ajudado a começar.
Muitos historiadores dizem que a contracultura e o ideário hippie morreu no Festival de Altamont, em dezembro de 1969, na Costa Oeste americana, quando um jovem negro foi assassinado por um integrante dos Hell’s Angels, no meio de um show dos Rolling Stones.
Está documentado no filme “Gimme Shelter”, 1970, de Albert Maysles. Mick Jagger rebolava no palco enquanto os Hell’s Angels lhe lançavam olhares de ódio e intolerância. A chave já havia virado. A atmosfera era de tensão e horror. Sabia-se que algo trágico iria acontecer.
Poucos meses depois de Woodstock e do reinado da paz e do amor, o sonho de um mundo melhor estava praticamente desmoronando com Altamont, mais ou menos ao mesmo tempo em que os Beatles se separavam.
Resistir era necessário, mas havia a consciência de que seria ainda mais difícil lutar contra as injustiças do mundo naqueles primeiros anos da década de 1970. A euforia dava lugar ao desencanto. Esse sentimento era bem perceptível nas artes, principalmente nas mais populares: música e cinema.
Um pouco antes da chegada de John e Yoko em Nova York, houve uma grande rebelião no presídio de Attica, causando mais de 30 mortes e chamando a atenção para as más condições de vida da população carcerária. “Attica State”, composta pelo casal, é uma das canções presentes nos shows da época e no disco “Some Time in New York City”, lançado por John e Yoko em 1972.
Uma das diversas ideias humanistas de Lennon era lapidar: fazer uma série de shows e levantar dinheiro o suficiente para libertar da prisão os marginalizados, majoritariamente negros, que não tinham dinheiro para pagar as fianças e sair em liberdade.
Num dos momentos mais terríveis do documentário, John e Yoko ficam sabendo das precárias, sub-humanas instalações de Willowbrook, que na época era a maior instituição para doentes mentais em todo o mundo. Crianças comiam em péssimas condições, andavam sujas, pegavam doenças.
Muito comovidos com o que viram, John e Yoko decidiram fazer um show beneficente para as crianças de Willowbrook. Esse show seria intitulado “One to One”. Um momento histórico que daria nome ao filme sobre a jornada do casal no período.
O teor político das músicas que eles tocavam nessa época era evidente já nos títulos: “Woman is the Nigger of the World”, “Give Peace a Chance”, “Power to the People”, “Cold Turkey”, “Attica State”, “Born in a Prison”, “John Sinclair”, em homenagem ao poeta e ativista preso injustamente. Ou ficavam evidentes nas letras: “Imagine”, “Instant Karma” e “Mother” são exemplos marcantes.
“One to One”, desse modo, coloca-se como um ótimo documento de uma era de protestos e se alinha a documentários políticos recentes como o indicado ao Oscar “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, ou às obras mais diretamente políticas de Chris Marker. Contundente, pela recusa a um estado de coisas e pela música.
ONE TO ONE: JOHN & YOKO
Avaliação Muito bom
Quando In-Edit Brasil – 17/06, às 18h, no Cinesesc; 22/06, às 20h, na Cinemateca Brasileira
Produção Estados Unidos, 2024
Direção Kevin Macdonald e Sam Rice-Edwards